segunda-feira, 14 de março de 2016

Disponível

Sempre me apeguei muito a pessoas disponíveis. As grandes paixões que tive não eram as mulheres mais belas, esculturais ou hiper inteligentes. Elas apenas estavam lá, presentes, cultivando os sorrisos da simplicidade, protagonizando o brilho em dias de tenebrosa solidão. Permitiram-se tornarem-se quem, de fato, eram, com todo o temor e tremor que isto pudesse causar. Não faziam questão de propagandear os amores; não tinham tempo para provar o improvável. A preferência pela companhia espontânea sempre prevaleceu sobre a programação cartesiana dos sentimentos e era nessa leveza de se chamar para tomar açaí e acabar num sushi desconhecido ou de ver vídeos bizarros sem sentido algum no Youtube que os dias passavam e me via enredado. 

A disponibilidade promove a intimidade, burila a cumplicidade e as boas confissões. Horas contando sua história e ouvindo o testemunho do outro, especulando sobre como seria sua vida se ela não fosse sua ou das consequências das decisões não tomadas são pequenos tijolos num castelo de substância. Gente assim anda rara, com tempo para investir, conhecer, ainda que despretensiosamente. Está tudo cheio de nada, subindo a montanha que leva ao reino dos milhares de contatos desprovidos de verdade, de imperfeições. A sensação é de estar em Second Life, onde tudo parece real, mas é manipulado, plastificado e fabricado. Até preferia que isto fosse verdade; haveria, portanto, uma chance de desconexão. Mas não é... E assim caminha a humanidade, ou seria, tropeça?
HL, 2016.

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