Fé na Justiça
LF: Bom dia, senhor. Por gentileza, o Sr. Severino mora aqui?
SRB: Tá falando com ele.
LF: Tudo bem, Sr. Severino?
SRB: Tudo caminhando com a graça de Deus, moço. E com o senhor?
LF: Tudo bem, Sr. Severino?
SRB: Tudo caminhando com a graça de Deus, moço. E com o senhor?
LF: Tudo em paz, graças a Deus. Seu Severino, sou Oficial da Justiça do Trabalho e estou aqui para intimar o senhor a comparecer a uma audiência de conciliação lá na Vara do Trabalho, onde o senhor foi na audiência no ano de... (silêncio enquanto verificava o número do processo) 1991. Tá lembrado?
SRB: Qual sua graça, rapaz?
LF: Graça? Como assim?
SRB: Seu nome, meu filho.
LF: Ah, sim. Humberto, seu Severino.
SRB. Certo. Olhe, eu lembro demais dessa questão. Ganhei e tudo. Já tem mais de quinze anos e nunca recebi nada dessa firma.
LF: É, mas agora a gente vai tentar resolver seu problema. Vamos tentar fazer um acordo no seu processo. O que o senhor acha? Não é melhor resolver logo?
SRB: Eu sempre quis, meu filho. Todo ano a Justiça me chama para entrar em acordo e até hoje nada.
LF: Entendo.
SRB: Olhe, mas mesmo com esse tempo todinho com essa questão se enrolando eu ainda tenho fé em Deus que um dia a Justiça vai funcionar e eu recebo ao meno um pedaço desse dinheiro porque a situação tá difícil.
LF: No que depender do meu trabalho isso acontecerá o mais rápido possível, seu Severino.
SRB: Pode me chamar de Raminho, Humberto. Todo mundo me conhece assim aqui no Sítio Sapé (Município de Arez/RN). Tá vendo aquela casa ali coberta com uma lona amarela?
LF: Estou
SRB: É lá onde moro. Vamos tomar um café? Só tem isso, mas é de coração.
LF: Muito obrigado, Seu Raminho. Seria um prazer, mas tou cheio de trabalho hoje. Fica para uma próxima.
SRB: Pois tá certo. Sempre que o senhor precisar de alguma coisa por essas bandas, pode ir lá em casa. É de pobre, mas tá com as portas abertas. Num faça questão de vir. Precisa nem avisar.
LF: Fico muito agradecido. Agora o senhor só vai precisar assinar aqui e depois comparecer lá na Junta.
SRB: Ixe, seu Humberto. Não sei escrever, nem ler. Só colocar o dedo mesmo.
LF: Tem problema não. Eu faço um relatório para o Juiz e explico que o senhor não assinou porque é analfabeto.
SRB: Ainda bem. Pensei que fosse me projudicar em alguma coisa.
LF: De jeito nenhum. Então... até próxima semana, e boa sorte no seu processo.
SRB: Vá com Deus, meu filho. E não esqueça: fé na Justiça.
(...)
Era meu Pai
LF: Bom dia. O senhor José Carlos Santos, por favor, está?
PAS: Bom dia. Quem gostaria?
LF: Humberto, da Justiça do Trabalho. Tenho uma novidade para ele. Qual o nome do senhor?
PAS: Pedro Alberto Silva. E qual a novidade?
LF: A empresa Alfa (nome fictício) quer fazer um acordo com o Sr. José e pediu uma audiência de conciliação. Depois de dez anos finalmente ele vai receber o dinheiro dele.
PAS: Só tem um problema.
LF: Qual?
PAS: Essa pessoa que o senhor está procurando é meu pai e faz dois anos que ele morreu.
LF: (Sem palavras)
“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.” – Rui Barbosa
4 comentários:
Só fico imaginando como esse omi achou esse sítio em Arez...
Isso aí é apenas um pouco das várias histórias com as quais você lida todos os dias, hein? Belo trabalho, Humberto. =)
...
O que comentar diante de uma situação dessas? Só as reflexões das reticências...
Impressionam as histórias que descobrimos trabalhando com as famílias deste Brasil... Parabéns pelo trabalho e, principalmente, pela sensibilidade.
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