Provavelmente eu não sou
a pessoa com maior expertise para o assunto que se segue, notadamente pelas
desérticas e frustrantes experiências que coleciono em relacionamentos
amorosos. Isto, porém, não me faz deixar de acreditar na instituição namoro,
casamento e demais perpetuações de estabilidade social. Nem sempre foi assim, é
verdade, pois a juventude sintetiza-se numa combinação de euforia, sensação de
inatingibilidade e de que o tempo nunca nos afetará.
Com o passar dos anos,
se cada um se permite aprender com os próprios é um ser inteligente; se tira
lições dos equívocos alheios é sábio. Partindo-se desse pressuposto eu me
legitimo a devanear desde meus erros e, principalmente, da observação de como
outras pessoas conduzem e administram os mesmos desafios que lhe são postos. Em
tempos de vitrine, das sensações estritamente imagéticas – e eu também sou
algoz e vítima deste processo – uma pergunta tem me inquietado nos últimos
dias: qual a real razão das pessoas se relacionarem? O que as faz se manterem
unidas e sobreviverem aos espinhos da estrada de convivência?
Sem dúvidas, você, que
desliza o olhar sobre estas linhas, conhece inúmeras histórias de amor bem
sucedidas, de várias gerações (embora isto pareça cada vez mais algo típico dos
nossos ascendentes), tal qual se assombra com aqueles namoros e casamentos
quase seculares que acabam como oxigênio no Everest. Parece-me que estamos
diante de um universo constante de expectativas, nossas e alheias, que nos
traga diariamente de uma maneira tão avassaladora, cuja sensação restante é de
absoluta impotência. É o corpo que precisa estar em dia, as dietas que não podem
faltar, os sucos detox, que desintoxicam o corpo, mas ninguém está muito
preocupado com as toxinas da alma, as fotos corriqueiras no instagram e a
necessidade de ser curtido, compartilhado no Facebook no novo mundo de
satisfações obrigatórias que criamos e nele fomos enredados.
Toda essa tecnologia,
naturalmente, nos trouxe inúmeras vantagens, reduziu o tempo da informação e
permite que consigamos resolver com uma economia de tempo problemas que antes
durariam semanas e meses. Por outro lado, acordar e encarar o dia que vem pela
frente tem sido cada vez mais difícil. Já não bastasse os nossos problemas
reais, criamos outros tantos – agora virtuais – ou transformamos os reais em
virtuais ou os virtuais em reais, conforme se prefira e se escolha o ponto de
vista. Além disso, ter uma graduação, um emprego e um teto para morar não são mais
suficientes. Agora, o dispêndio de energia é muito maior: gastamos nossa
irrepetível e incomparável vida e tempo para conseguir recursos cuja finalidade
é impressionar pessoas que nem mesmo conhecemos, adquirindo produtos e serviços
que não precisamos com o dinheiro que não temos, por vezes em locais a que não pertencemos.
Convivemos com necessidades desnecessárias e nos condicionamos a viver felizes
sob a única hipótese de obter o excedente em vez do essencial num círculo que
nos faz perder de nós mesmos e questionar até o mais básico dos atributos
morais pelos quais somos reconhecidos: a identidade.
Mesmo sendo um adepto
da filosofia política individualista (por favor, não ache que o individualismo
confunde-se com a vertente pejorativa que se tem do egoísmo) por crer que ela
traz os melhores resultados para a coletividade, o resultado de tantas variáveis
que temos de harmonizar uma cultura que espera que sejamos sempre os melhores,
infalíveis e felizes com a agressiva capacidade de terror que a realidade nos
oferece. O vício em nós mesmos reverbera numa constante tentativa de mostrarmos
mais do mesmo e menos do diferente e nesse aspecto temos uma reviravolta
comportamental nas relações. Investir tempo observando e apreciando os
detalhes, deliciar-se na admiração das virtudes morais do outro caiu em desuso,
está ultrapassado e quem se prestar a tal luxo pode ser taxado de acomodado,
que não acrescenta e, portanto, é carta fora do baralho.
As longas conversas já não
mais existem, pois a superficialidade que os desejos e parâmetros sociais
estabeleceram logo se esgota. O constrangimento do silêncio sepulcral entre
quem deveria ter o que dizer um ao outro, a transformação de diálogos
agradáveis com sorrisos macios em cobranças por resultados e pressões por
projetos de vida arrojados são instrumentos de dilaceração craniana no corpo flexível
do amor. Ainda que todos os planos e objetivos sejam alcançados, novos surgem e
vivemos numa idealização platônica de como as pessoas deveriam ser e não no
sabor meio doce meio amargo da existência, sem esquecer que o se importar com o
outro – a alteridade – cede lugar aos relatórios das conquistas e problemas
pessoais. A impossibilidade de satisfação dança com a constante comparação com
quem obteve êxito, com o lamentável desperdício desejando o que não temos e não
aproveitando o bastante já conquistado e transforma o que deveria ser um alívio
da dor que é existir numa competição desenfreada, porém sutil e travestida de
boas intenções. É bem possível que, dentre tantas causas, nossos pais e avós
tenham tido, em sua maioria, mais sucesso do que nossa geração: eles não precisavam
provar nada, ostentar tampouco, não precisavam gastar horas num exibicionismo
opaco, eles não tinham uma rede para dar conta, milhares de opções de conversa,
não tinham ninguém, apenas um ao outro.
Humberto Lucena, setembro de 2015.
2 comentários:
Então... A vida está cheia de coisas, mas essencialmente vazia...
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