Confesso que na condição de cristão ocidental, evangélico e protestante estou envergonhado e com os joelhos cansados de caminhar por tanto estelionato de fé e criação de um mundo de Alice nos nossos templos. Não posso abafar a angústia e indignação latentes na minha alma, sob pena de, pela omissão, ser cúmplice da injustificável distorção e engessamento do suposto evangelho e Reino de Deus.
Vou à igreja, seja ela qual for, e vejo toneladas de liturgia (pentecostal ou histórica) e quase nada de mérito do evangelho. Expulsamos Jesus dos ajuntamentos evangélicos, transformamos o organismo em organização, fazemos festival, sorvetada, retiros, congressos, shows, teatro, numa tentativa vã e raquítica de dar algum sentido, senso de utilidade e pertencimento àquelas pessoas que lá estão a desempenhar alguma função. O mundo tem sede da GRAÇA, do amor, de fé, de transformação do evangelho enquanto nós estamos envolvidos com nossas glutonarias gospel e vomitando jargões de um estilo de vida fantasioso, burocrático, entendiante e previsível.
O que seria isso, senão uma tentativa frustrada de justificar para nós mesmos que somos discípulos de Cristo? Uma tentativa, diga-se de passagem, nominalista, inerte, na qual a preocupação é muito mais em nos empanturrarmos com alimento espiritual e lanches sociais ao ponto de vertermos e sujarmos nossas próprias vestes com os excessos acumulados de tanto tempo sentados ouvindo, mas sem dar ouvidos.
O povo de Deus não precisa mais de renovo, refrigério. Precisa se cansar, haja vista sua letargia crônica e indiferença para com os problemas da nação. A política anda de mal a pior, a violência invade os lares ceifando famílias inteiras, a Rede Globo e suas novelas pernósticas são nossos deuses particulares, temos uma seleção de cantores evangélicos que arrancam suspiros e gritos de uma juventude alienada e idiotizada. E onde está o poder de transformação do Cristo ressurreto que tanto anunciamos? Enclausurado nas quatro paredes do denominacionalismo, da competição infantil e eterna entre pentecostais e tradicionais, no slogan de "pequenas igrejas x grandes negócios", no maldito discurso capitalista de que Deus está ansioso para mudar a sua vida e lotar sua conta bancária de reais, nas reuniões chatas, monótonas, completamente destituídas da presença dAquele que deveria ser o convidado principal, dos avisos sem fim e das programações intermináveis que nossas comunidades se transformaram.
Certamente seríamos admoestados quanto a nossa mediocridade de vida, de incapacidade móvel de transformar realidade e vidas, pois estamos adormecidos nos próprios sonhos de comprar carros, adquirir casas, passar em concursos, ter um relacionamento saudável, um punhado de amigos e um clubinho bacana para encontrar aos fins de semana.
Estou esgotado das instituições. Procuro agora as pessoas. Gente de verdade, com problemas de verdade, como diz Ariovaldo Jr. Onde houver pessoas ali haverá igreja. Afinal de contas, foi para os doentes que Ele veio. E é nesse passo que, embora cansado demais e com os pés empoeirados desse deserto, sei que a esperança no Autor da Fé é o gás que me impulsiona a não desistir da caminhada.
Ainda que caindo e nunca parando de levantar, olhando firmemente para o alvo e deixando de lado todo e qualquer vento de doutrina travestido de Avivamento com seus bonachões gritalhões, triunfalistas e suas vidas ocultamente destruídas de segunda a sábado, protestantes que não protestam e crentes teóricos, todavia ateus práticos, olho para Ele. Somente para Ele. Porém, não ignoro a calamitosa situação do nosso povo, que prega uma porta larga de algodão doce, quando deveríamos ser levados pelo lema "para que outros possam viver, vale a pena morrer". Mas isso é uma outra história.
De um cansado, pecador e inquieto filho de Deus, incapaz de silenciar diante das atrocidades que presencia.
Lucena Filho
Do [Cristo] muito temos que dizer, de difícil interpretação; porquanto vos fizestes negligentes para ouvir. Porque, devendo já ser mestres pelo tempo, ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus”. - Hebreus 5:11-12.
6 comentários:
Te admiro cada vez mais. Vc tem, de fato, o dom da palavra, e o utiliza da melhor maneira possível. Parabéns!
Meu nobre amigo. Por coincidência estive conversando com alguns amigos sobre isso nos últimos dias. A conclusão a que chegamos foi parecida com a que desenhas no artigo, claro que você conseguiu ser mais preciso no diagnóstico.
As coisas estão andando para rumos tenebrosos. As pessoas procuram as igrejas não para servir a Deus, e sim para se "sentirem bem", como se a palavra Dele fosse uma espécie de livro de autoajuda, capaz de dotá-las de estímulo para suas atividades cotidianas. O cara vai para a missa no domingo como se fosse para receber uma injeção de ânimo para começar a semana "leve".
No mais, parabéns pelo artigo e faço votos para que continue na luta.
Grande abraço
Fora isso
Perfeito. Simples e direto! Que sejamos muitas vozes proféticas, a denunciar o nosso próprio pecado institucional... e que também possamos mostrar que organismo permanece vivo!
É isso mesmo... é disso que eu tô falando... =P
Grande texto.
Tirou as palavras da minha boa!
Tudo o que eu queria dizer mais não tinha "categoria para dizê-lo assim...rs
Parabéns menino lindo vc continua a me surpreender com seu carisma e inteligencia e sabedoria!
Vc tem futuro kkkk
Tinha entrado no teu blog pra sugerir exatamente esse assunto, que surpresa ele ja ter sido publicado.
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