segunda-feira, 30 de março de 2009

Diálogos - Tibério

Encontrei meu amigo Tibério semana passada. Já não o via há quase um mês. Um dia até escrevi sobre um relato dele por aqui. O rapaz tem uma postura um tanto complexa. Mora sozinho, está no mestrado em Antropologia, vive ouvindo Radiohead, tem crises existenciais, detona o capitalismo, mas não perde por nada a promoção das quartas do McDonalds, onde ele lê religiosamente a Revista Carta Capital.

Ao primeiro olhar, Tibério aparenta ser ranzinza, inconveniente, maledicente e sombrio, mas não passa de um pseudodepressivo puro, de olhos negros e cabelos despenteados, e que não perde a chance de expressar sem filtros seus sentimentos. Aprecio pessoas assim. Vivem me perguntando o porquê de eu ainda investir numa amizade com o cara se ele, às vezes, me dá umas cortadas e confronta sem medos o que outros elogiariam.

Pois bem. Liguei para nosso amigo na última sexta-feira e fomos tomar um café num bistrô novo lá em Petrópolis. Falamos amenidades, sobre mulheres, futebol, amor, Obama, filmes, não necessariamente nessa ordem. De súbito, Tibério mudou de assunto:

T: Lucena, você é feliz?

L: Ih, lá vem tu com esses assuntos difíceis de se conversar. Mas sou sim, cara, digo, acho que sou. Sei lá... Você não?

T: Às vezes.

L: Como assim?

T: Não creio na felicidade como estado de espírito ou sensação contínua e eterna.

L: Alguma razão para tanto?

T: Penso haver momentos felizes. Como se fossem flashes, sabe. Você tem boas sensações em períodos pontuais.

L: Tibério, isso não parece vazio demais? Quer dizer, você passa mais tempo procurando esses momentos do que os usufruindo?

T: É por aí. Se você perdesse amigos, família, carro, emprego, continuaria feliz?

L: Naturalmente não.

T: Por que naturalmente?

L: Bom, isso é o suporte de qualquer pessoa.

T: Por isso que você não é feliz. Você está feliz... até que essas circunstâncias desapareçam.

L: E você ainda queria que eu fosse feliz numa situação dessas?

T: Você não me disse que ERA? Se você é, pressuponho que esteja inerente ao seu caráter, pessoa e própria existência. Se sua felicidade consiste nas pessoas ou coisas, por mais próximas que elas sejam, você está feliz. A grande questão gira em torno de mudança de circunstâncias.

L: Não captei.

T: Pelo princípio de que tudo é efêmero (inclusive nós), uma hora as circunstâncias sumirão. Em momentos dessa natureza, inconscientemente somos levados a substituir as antigas realidades por novas, seja através de um novo carro, promoção no emprego, casamento, ampliação do círculo de amizades, etc. Uma espécie de ciclo.

L: E como você define tais caçadores de felicidade?

T: Pessoas ocupadas, muito ocupadas e ao mesmo tempo tão vazias quanto a minha carteira agora.

L: Garçom, a conta!

Lucena Filho

9 comentários:

Jéssica Ethne disse...

kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
Esse Tibério é um Pelé isso sim!!!
kkkkkkkk
Ele é Feliz a custa dos outros, isso sim!!!
kkkkkkkkkkkk

Ana Izabel Lima disse...

Meus queridos, talvez por estudar psicologia acabo partilhando do posicionamento de Tibério. Não somente a felicidade é um estado e não algo estático, eterno, como também tudo que envolve o ser humano possui esse caráter efêmero. Se pararmos para pensar a relaidade do ser humano sob o ponto de vista de Rogers, por exemplo, podemos perceber que nós nunca seremos, e sim sempre estaremos. A vida é um processo de desenvolvimento e mudança continua, o que nos fazia feliz em nossa infância muito provavelmente não nos fará feliz do mesmo modo hoje. Lembrem-se não somos os mesmos que fomos ontem. Vejo a felicidade não como substantivo, mas acredito nesse conceito encarando-o como adjetivo raro e duradouro enquanto permenecer em nossas lembranças.

Laís disse...

Concordo com Tibério... Felicidade é um sentimento momentâneo e dependente das circunstancias. Sou a favor da felicidade geral de todos =D Mas há momentos em que esse sentimento não dá pra aflorar. Parabéns pelos textos Betinho.

Humberto Lucena disse...

Jéssica, ainda bem que Tibério não lê esse blog. Ele disse que é pop demais pra ele

Ana Izabel, colocações brilhantes. Acho que Tibério adoraria te conhecer. Vocês conversariam muito sobre Rogers, Freud, Lacan

Laís, volte sempre, viu!

Viviane disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Viviane disse...

Uma ótima idéia o autor trazer à baila um assunto dos mais complexos e que, acredito, não há uma definição absoluta: a felicidade. Felicidade é um conceito bastante subjetivo (que envolve pensamentos, sentimentos e emoções) e individualista, de não ser obrigado ou até mesmo cobrado em demonstrar ou explicar a felicidade, até porque qualquer que seja o conceito de felicidade, este não será preponderante face ao seu caráter subjetivo. Felicidade é um estado de espírito que envolve desejos, realizações, emoções e satisfações. Não é uma afirmativa, apenas uma opinião, meu conceito subjetivo sobre o tema. Cada um tem sua visão (e sentimento) sobre o que seja felicidade. Esse assunto me fez lembrar de um livro que li do filósofo francês André Comte-Sponville, "A felicidade, desesperadamente" (Le Bonheur, désespérément). Nele, o autor delinea o projeto em três tempos: no primeiro, tenta compreender "porque não somos felizes, ou tão pouco, ou tão mal, ou tão raramente". É o que ele chama de "a felicidade malograda". No segundo, ele expõe uma "crítica da esperança", terminando no que ele chama de "a felicidade em ato". Finalmente, no terceiro tempo, o que poderia se chamar "a felicidade desesperadamente", ele evoca o que poderia ser "a sabedoria do desespero, em um sentido que seria também uma sabedoria da felicidade, da ação e do amor". Para quem não tiver paciência para ler esse pequeno livro de bolso com 138 páginas, vale a pena ler a entrevista com esse filósofo no site a seguir: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG76063-6014-450,00.html.

Contorcionista disse...

Ok, felicidade é um estado, que pode ser um momento da vida de alguém, um evento, mas não é por isso que a gente vai ficar deprê se lamentando o resto da vida. A gente tem que plantar e cultivar a felicidade para ter uma vida agradável. Obrigada pela visita no meu blog!

Unknown disse...

Eu acho que Tibério é um cara triste, com surtos de felicidade. Prefiro o oposto.

Good job! ;)

Aldrina Cândido disse...

Acredito que somos felizes e as tais "mudanças de circunstâncias" nos trazem picos de tristeza ou podem em alguns momentos exacerbar a felicidade, a depender do que tenha mudado.