sábado, 27 de dezembro de 2008

Valeu a pena?

Todos morreremos e provavelmente essa seja a única certeza – mesmo diante de uma eterna fuga do tema - que habita nossas almas. Não é à toa que no idioma castellano o termo certeza somente é empregado para a morte, enquanto seguro aplica-se às outras convicções. Porém, o problema não é exatamente a morte em si, mas o estado psicológico do defunto.

Não. O que será lido daqui por diante não são memórias póstumas de nenhum indivíduo específico, muito menos se trata de uma abordagem trágica da vida. Simplesmente como ela é, como já preconizava Nelson Rodrigues.

Que o homem nasceu para morrer é fato inconteste. Aquela aulinha, com a professora da terceira série, de que os animais nascem, crescem, reproduzem e morrem também se aplica, ainda que a contragosto, a nós – aparentemente imbatíveis. A raiz do grande desespero do encerramento da vida vai muito mais além da falta que iremos fazer.

Explica-se. Suponha ter encerrado sua participação no planeta Terra. No primeiro mês, todos vão chorar sua partida; a impressão que seus parentes e amigos terão é de um vazio inexplicável e tristeza quase insuportável e que o mundo desabou. Ao final do primeiro ano, em nome do lema “a vida continua”, você já será uma saudade semi-distante. Dois, três anos depois, sua existência se resumirá a uma boa lembrança. Uma década mais tarde, seu nome surgirá de maneira acidental numa conversa de bar e alguns podem até ter esquecido em que ano que você se foi. Esse é mais ou menos o roteiro seguido na maioria dos casos.

Muito embora encarar a realidade desta forma ser um tanto macabro, o que mais assusta, e por que não dizer atormenta, seu coração é falecer sem deixar marcas de influência no mundo vivente.

Viver egoisticamente é até confortável, mas tem um efeito psicoemocional futuro irreparável. Pare para pensar. Você nasceu num bom lar, com problemas (assim como todos os outros), teve brinquedos – tenha sido eles da Estrela ou artesanais - , estudou, trabalhou, namorou, casou, teve filhos, alguns amigos, fins de semana inesquecíveis, meia dúzia de sonhos realizados, seu time foi pentacampeão, seus filhos fizeram ou farão uma boa faculdade, você foi promovido no seu trabalho, e por aí vai. Tudo isso temperado com uma pitada de erros aqui, umas frustrações acolá, tragédias no meio do caminho.

Enfim, você terá vivido. Mas, e aí? Que diferença e legado você deixou nesse mundo? Qual o saldo das eternas diversões, do jovem indestrutível herói, de tantos títulos, dinheiro, carisma, talento? Quantas pessoas poderão dizer que você foi capaz de mostrá-la uma nova forma de viver?

Os dias se passaram e você viveu exclusivamente para si mesmo, ou, ainda sendo generoso, para um grupo seleto de pessoas. A zona de conforto sempre seduziu suas atitudes. Você até se emocionou com as notícias do telejornal de fomes, enchentes, miséria, ignorância, mas o âncora diariamente dizia boa noite e com ele você também se despedia das indignações, fazendo um download de paz interior e dormia como se tudo fosse ligado no modo de repetição.

Toda a sua existência girou em torno de uma rotação egocêntrica de realizações. Obviamente, no Natal, no dia das crianças você sempre aderiu às campanhas filantrópicas, distribuiu alguns cumprimentos e felicitações, assim como um canceroso ingere morfina para aliviar a dor constante. Um paliativo suficiente para adormecer a sensibilidade pelo resto do ano.

Saindo de uma perspectiva mais generalista, basta lembrar-se daquele jovem que você vê todos os dias vendendo balas no ponto de ônibus, se compadece, mas assume para si que ele é um problema do governo. E nesse círculo de transferência de culpas e remorsos corrosivos você vai dormindo, acordando e vivendo, deixando sempre para amanha o dia da sua libertação em que será menos você para ser mais o outro.

E nesse ritmo unidirecional, o sino do tempo badala e cobra os dias da sua vida. Contra isso não há lei. Todas as manhãs significam um dia a mais e um a menos, conforme o entendimento de que se morre gradativamente. Um dia poder olhar para trás e ver que a cada minuto de morte foi possível dar vida e alguém é ter a segurança de que valeu a pena viver.

LUCENA FILHO

2 comentários:

JUJUbildes disse...

Olá!
Me lembrei do meu pai, que sempre diz, a cada dia que amanhece: mais um dia; menos um dia. É a vida... Às vezes a gente para mesmo para pensar na morte... Eu, vira e mexe, me pgo pensando na minha, acredita? Até monto a imagem na cabeça: eu no caixão, as pessoas chorando... e fico pensando no sentido da vida. É muito louco e até mórbido pensar na nossa própria morte, mas é o único aconteciemento inevitável por qual todos nós passamos. Não é bom pensar sempre nela, mas exporadicamente serve para repensarmos valores e atitudes...
Beijos!

Anônimo disse...

O que quero, na verdade, é nesta vida sentir o sabor da conquista.

Querer isso não é querer conforto, nem dinheiro, é muito MAIOR que isso, é dizer "eu consegui". Você faria o mesmo.

A prova disso, é querer sentir só o sabor 'só por um dia', ter em mãos a conquista em desenvolvimento e posteriormente com domínio próprio, abandonar só por esse objetivo:

"Qualquer dia amigo, eu volto pra te encontrar!" (por vc!)

Saudade!


[Arriscar com medo de perder dói, mas não me perdoaria se não arriscasse.]