quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Se me explico...

Um dos grandes fenômenos da comunicação, sem dúvida, é a interpretação. Milhares de pessoas têm esbarrado nesse gigante quase que invencível em determinadas ocasiões, quais sejam: provas de concurso, textos em geral, símbolos, sinais e até mesmo na linguagem oral. Tal deficiência na arte de interpretar é fruto da história educacional brasileira, que sem dúvida é totalmente desnutrida, mas deixemos a análise da educação para os pedagogos. Entretanto, a reflexão sobre interpretação aqui iniciada envereda-se por outras rotas. Versa basicamente da conexão autor – obra – interpretação da obra pelo autor. Enquanto folheava alguns papéis antigos em minha estante, deparei-me com uma frase de um filósofo alemão chamado Friedrich Nietzsche que dizia: “Interpretação – Se me explico, me implico: não posso a mim mesmo explicar”.

A questão é: será que um autor ou emissor de um discurso pode interpretar imparcialmente sua obra? Aí está um dos grandes conflitos da interpretação: a relação entre autor e obra e vice-versa, partindo do pressuposto que ambos se confundem, ou até mesmo que a segunda seria fruto do primeiro. Analisando por este prisma infere-se que é impossível entender e realizar o trabalho interpretativo sem trilhar pelos caminhos da essência da personalidade, sentimentos e intelecto do autor. Não seria então possível uma interpretação imparcial, de onde se distinguem criador e criatura, ignorando a interligação de ambos. De fato, a abstração é irreal.

Trazendo esse devaneio para um outro ângulo, não muito distante do anterior, a interpretação quando realizada pela fonte produtora do pensamento seria até limitada, comprometida e talvez tirana em muitos casos, como nas interpretações das leis alemãs por Adolf Hitler no tocante aos judeus. Ele as criou e as interpretou. Daí deduzimos que a obra é resultado das dinâmicas da personalidade e do intelecto daquele que cria, portanto, a interpretação daquela por este resulta numa exegese do próprio “eu”, tornando-se puramente psicológica e dotada de preconceitos.

Conhecer autor e obra, ou como diria Ortega y Gasset conhecer o autor e a obra com suas respectivas circunstâncias é mais uma arma no método interpretativo. Contudo, quando se tenta interpretar o próprio conhecimento, e ainda sem atentar para as conjunturas que recheiam os momentos de criação, somente há de cair nas próprias falhas, podendo até sufocar outros entendimentos sobre os assuntos abordados. A beleza e a mutabilidade benéfica da interpretação está na possibilidade de se conhecer o “psiquê” do criador, partindo-se de pensamentos próprios, mas adequáveis a novas descobertas.

Partindo-se desse princípio, estou inapto a interpretar imparcialmente (se é que existe interpretação imparcial) o que o leitor acabou de ler. É possível que dentro dessas poucas e singelas palavras cada mente tenha extraído elementos muito além da minha imaginação, expandido o pensamento e descortinado novos horizontes do tema exposto. Com toda a demasia não me atrevo a dizer que “quis dizer isso ou aquilo”. Se assim o fizesse, estaria interpretando a mim mesmo.

LUCENA FILHO

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