quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Perca o controle

Alguns anos atrás, eu decidi me submeter a um processo seletivo de uma instituição privada daqui do Estado. Eram 20 candidatos – quase todos já professores - para uma vaga de Direito do Trabalho. Eu queria muito aquela vaga e estava seguro de que poderia consegui-la. Só dependia de mim. Fiz a prova didática, aprovado em primeiro lugar, entrevista, aprovado em primeiro lugar, prova de títulos, primeiro lugar. Finalmente fui submetido a uma entrevista com uma Psicopedagoga, uma daquelas pessoas altivas, que passam a sensação de estarem analisando até sua quarta geração ascendente, com um olhar de total e pleno domínio sobre os mais sombrios aspectos da sua personalidade. De uma teatralidade sartriana que justifica o personagem que a convenceram ser. Tudo se resumiu a fazer uns desenhos sobre um ambiente de aprendizagem, meia dúzia de perguntas aparentemente sem fundamento. Ao final, fiquei em segundo lugar na seleção e não sabia o porquê. A indignação tomava conta de mim. De nada me adiantara ter uma didática impecável, as muitas publicações e postura solícita na entrevista. Fui reprovado por alguma autodenúncia imagética decorrente da minha inabilidade no desenho? Dois meses depois eu me submeti a um exame de seleção e fui aprovado num programa de doutorado na UFPB, que me abriu oportunidades muito mais interessantes. Se eu tivesse sido contratado, certamente teria que pedir demissão com 1 mês de trabalho, causaria um prejuízo à instituição, uma vergonha a mim pela ruptura repentina do contrato de trabalho e um constrangimento restaria na minha relação com a faculdade.

Essa pequena história me serviu para tirar algumas lições. Por melhor que você se julgue ser e seja, o mundo não funciona com base nas nossas bases de retidão. Ele tem uma capacidade indizível de agressão. Em última instância, ninguém é obrigado a gostar da gente, por mais mérito que (supostamente) tenhamos. A (in)justiça é uma realidade que se atravessa entre nossas mais latentes verdades e por mais que não creiamos, uma série de ‘nãos’ podem ser apenas a preparação para um grande sim. O inverso também é verdade, de modo que não há fórmulas para essa grande surpresa diária que é viver.

Em segundo lugar, a nossa visão sobre a vida é tão diminuta que nunca conseguiremos enxergar o quadro completo. Somos imediatistas, rebeldes e mimados. Incapazes de lidar com a temporalidade que nos escapa ao comando. Isto é o fruto de uma vida que nos coloca como centro do universo e não como parte dele. Não importa se você acredita em Deus ou não, a verdade irrelutável é que há um tempo marcado para todas as coisas. Em Eclesiastes 3:1 está escrito “Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu”. E se você ama a Deus, Romanos 8:28 assim estabelece “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”. Mais: ainda que vacilemos e achemos que estamos numa condução total dos nossos desígnios, saiamos dos trilhos, Deus permanece fiel por ter um critério de justiça distinto do nosso: “Se formos infiéis, ele permanece fiel; não pode negar-se a si mesmo” (2 Timóteo 2:13).

Aquilo que você reputa ser a causa do seu fracasso pode ser o início de um grande sucesso. Você não precisa saber a razão de tudo. Como diria Fernando Anitelli, vocalista de Teatro Mágico, na música Sonho de uma Flauta:

“Tem motivo pra viver de novo
Tem o novo que quer ter motivo
Tem a sede que morre no seio
Nota que fermata quando desafino
Descobrir o verdadeiro sentido das coisas
É querer saber demais”.

Paz e bem!

Humberto Lucena

2 comentários:

Unknown disse...

Você tem o dom de escrever uma coisa que me faça pensar sobre varias outras.
Muito bonito o texto. Reflexivo.

Caio Cavalcanti disse...

1beto, desculpe desapontá-lo, mas o que o sr. chama de 'autodenúncia imagética decorrente da minha inabilidade no desenho' tem um sinônimo bem popular: 'peixada'.