terça-feira, 13 de outubro de 2015

O relógio

Quando eu tinha 12 anos certo dia estava voltando do Colégio para casa um ladrão me parou na rua e me disse 'passa o relógio'. Eu tinha juntado minhas economias quase seis meses para comprar aquele relógio Casio digital, com calculadora e que desligava televisão por controle remoto. Era minha primeira aquisição com o meu suado e parco dinheiro. A minha resposta foi 'dou não porque só tenho esse' e eu corri como se minhas pernas fossem maiores que meu corpo. Hoje quando eu me lembro daquela situação penso:


a) Naturalmente tendemos a valorizar muito o que conseguimos com esforço e isso é até importante em certa medida. Digo em certa medida porque quando o valor vira apego o amor tira o sossego. Eu poderia ter perdido minha vida, muito mais preciosa do que o singelo relógio, mas eu não conseguia vislumbrar isso porque não cogitava oportunidade de comprar outro. Minha visão só ia até onde eu tinha envidado esforços. Parece-me que hoje a situação mudou: vejo que se não se troca o celular, o carro e a roupa pelo modelo mais recente a incompletude toma de conta. Platão, do alto da sua filosofia grega, resumia amor a desejo e quando o deseja cessa não há mais amor, pois quando se tem o que se deseja não há mais sentido em se desejar e nisso o mundo vai sempre desejando e amando o que não se tem. Nessa toada a gente vai sempre se preocupando em querer ter e acaba sendo propriedade do que possuímos ou gostaríamos de ter.

b) Em muitas situações nossa vida parece não ter valor nenhum por uma razão simples: tudo caminha dentro da normalidade. E dentro da rotina não vemos a importância de se estar bem, afinal é na aflição que a normalidade vira exceção e esta se torna o nosso desejo. Veja: na dor desejamos estar em paz, mas na paz não conseguimos ver bênção, pois a lacuna impreenchível que o mundo nos impõe nos faz perder mais tempo querendo o que não temos do que usufruindo o já conquistado.

c) Nunca reaja nem corra de assaltantes.

Paz e bem! Boa semana.

Humberto Lucena.

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