quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Apenas um ao outro

Provavelmente eu não sou a pessoa com maior expertise para o assunto que se segue, notadamente pelas desérticas e frustrantes experiências que coleciono em relacionamentos amorosos. Isto, porém, não me faz deixar de acreditar na instituição namoro, casamento e demais perpetuações de estabilidade social. Nem sempre foi assim, é verdade, pois a juventude sintetiza-se numa combinação de euforia, sensação de inatingibilidade e de que o tempo nunca nos afetará.
Com o passar dos anos, se cada um se permite aprender com os próprios é um ser inteligente; se tira lições dos equívocos alheios é sábio. Partindo-se desse pressuposto eu me legitimo a devanear desde meus erros e, principalmente, da observação de como outras pessoas conduzem e administram os mesmos desafios que lhe são postos. Em tempos de vitrine, das sensações estritamente imagéticas – e eu também sou algoz e vítima deste processo – uma pergunta tem me inquietado nos últimos dias: qual a real razão das pessoas se relacionarem? O que as faz se manterem unidas e sobreviverem aos espinhos da estrada de convivência?
Sem dúvidas, você, que desliza o olhar sobre estas linhas, conhece inúmeras histórias de amor bem sucedidas, de várias gerações (embora isto pareça cada vez mais algo típico dos nossos ascendentes), tal qual se assombra com aqueles namoros e casamentos quase seculares que acabam como oxigênio no Everest. Parece-me que estamos diante de um universo constante de expectativas, nossas e alheias, que nos traga diariamente de uma maneira tão avassaladora, cuja sensação restante é de absoluta impotência. É o corpo que precisa estar em dia, as dietas que não podem faltar, os sucos detox, que desintoxicam o corpo, mas ninguém está muito preocupado com as toxinas da alma, as fotos corriqueiras no instagram e a necessidade de ser curtido, compartilhado no Facebook no novo mundo de satisfações obrigatórias que criamos e nele fomos enredados.
Toda essa tecnologia, naturalmente, nos trouxe inúmeras vantagens, reduziu o tempo da informação e permite que consigamos resolver com uma economia de tempo problemas que antes durariam semanas e meses. Por outro lado, acordar e encarar o dia que vem pela frente tem sido cada vez mais difícil. Já não bastasse os nossos problemas reais, criamos outros tantos – agora virtuais – ou transformamos os reais em virtuais ou os virtuais em reais, conforme se prefira e se escolha o ponto de vista. Além disso, ter uma graduação, um emprego e um teto para morar não são mais suficientes. Agora, o dispêndio de energia é muito maior: gastamos nossa irrepetível e incomparável vida e tempo para conseguir recursos cuja finalidade é impressionar pessoas que nem mesmo conhecemos, adquirindo produtos e serviços que não precisamos com o dinheiro que não temos, por vezes em locais a que não pertencemos. Convivemos com necessidades desnecessárias e nos condicionamos a viver felizes sob a única hipótese de obter o excedente em vez do essencial num círculo que nos faz perder de nós mesmos e questionar até o mais básico dos atributos morais pelos quais somos reconhecidos: a identidade.
Mesmo sendo um adepto da filosofia política individualista (por favor, não ache que o individualismo confunde-se com a vertente pejorativa que se tem do egoísmo) por crer que ela traz os melhores resultados para a coletividade, o resultado de tantas variáveis que temos de harmonizar uma cultura que espera que sejamos sempre os melhores, infalíveis e felizes com a agressiva capacidade de terror que a realidade nos oferece. O vício em nós mesmos reverbera numa constante tentativa de mostrarmos mais do mesmo e menos do diferente e nesse aspecto temos uma reviravolta comportamental nas relações. Investir tempo observando e apreciando os detalhes, deliciar-se na admiração das virtudes morais do outro caiu em desuso, está ultrapassado e quem se prestar a tal luxo pode ser taxado de acomodado, que não acrescenta e, portanto, é carta fora do baralho.
As longas conversas já não mais existem, pois a superficialidade que os desejos e parâmetros sociais estabeleceram logo se esgota. O constrangimento do silêncio sepulcral entre quem deveria ter o que dizer um ao outro, a transformação de diálogos agradáveis com sorrisos macios em cobranças por resultados e pressões por projetos de vida arrojados são instrumentos de dilaceração craniana no corpo flexível do amor. Ainda que todos os planos e objetivos sejam alcançados, novos surgem e vivemos numa idealização platônica de como as pessoas deveriam ser e não no sabor meio doce meio amargo da existência, sem esquecer que o se importar com o outro – a alteridade – cede lugar aos relatórios das conquistas e problemas pessoais. A impossibilidade de satisfação dança com a constante comparação com quem obteve êxito, com o lamentável desperdício desejando o que não temos e não aproveitando o bastante já conquistado e transforma o que deveria ser um alívio da dor que é existir numa competição desenfreada, porém sutil e travestida de boas intenções. É bem possível que, dentre tantas causas, nossos pais e avós tenham tido, em sua maioria, mais sucesso do que nossa geração: eles não precisavam provar nada, ostentar tampouco, não precisavam gastar horas num exibicionismo opaco, eles não tinham uma rede para dar conta, milhares de opções de conversa, não tinham ninguém, apenas um ao outro.

Humberto Lucena, setembro de 2015.

2 comentários:

Ilma Cândido disse...

Então... A vida está cheia de coisas, mas essencialmente vazia...

Ilma Cândido disse...
Este comentário foi removido pelo autor.