sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Fé na Justiça

Fé na Justiça

LF: Bom dia, senhor. Por gentileza, o Sr. Severino mora aqui?

SRB: Tá falando com ele. 


LF: Tudo bem, Sr. Severino?


SRB: Tudo caminhando com a graça de Deus, moço. E com o senhor?

LF: Tudo em paz, graças a Deus. Seu Severino, sou Oficial da Justiça do Trabalho e estou aqui para intimar o senhor a comparecer a uma audiência de conciliação lá na Vara do Trabalho, onde o senhor foi na audiência no ano de... (silêncio enquanto verificava o número do processo) 1991. lembrado?

SRB: Qual sua graça, rapaz?

LF: Graça? Como assim?

SRB: Seu nome, meu filho.

LF: Ah, sim. Humberto, seu Severino.

SRB. Certo. Olhe, eu lembro demais dessa questão. Ganhei e tudo. Já tem mais de quinze anos e nunca recebi nada dessa firma.

LF: É, mas agora a gente vai tentar resolver seu problema. Vamos tentar fazer um acordo no seu processo. O que o senhor acha? Não é melhor resolver logo?

SRB: Eu sempre quis, meu filho. Todo ano a Justiça me chama para entrar em acordo e até hoje nada.

LF: Entendo.

SRB: Olhe, mas mesmo com esse tempo todinho com essa questão se enrolando eu ainda tenho fé em Deus que um dia a Justiça vai funcionar e eu recebo ao meno  um pedaço desse dinheiro porque a situação  difícil.

LF: No que depender do meu trabalho isso acontecerá o mais rápido possível, seu Severino.

SRB: Pode me chamar de Raminho, Humberto. Todo mundo me conhece assim aqui no Sítio Sapé (Município de Arez/RN). Tá vendo aquela casa ali coberta com uma lona amarela?

LF: Estou

SRB: É lá onde moro. Vamos tomar um café? Só tem isso, mas é de coração.

LF: Muito obrigado, Seu Raminho. Seria um prazer, mas tou cheio de trabalho hoje. Fica para uma próxima.

SRB: Pois tá certo. Sempre que o senhor precisar de alguma coisa por essas bandas, pode ir lá em casa. É de pobre, mas tá com as portas abertas. Num faça questão de vir. Precisa nem avisar.

LF: Fico muito agradecido. Agora o senhor só vai precisar assinar aqui e depois comparecer lá na Junta.

SRB: Ixe, seu Humberto. Não sei escrever, nem ler. Só colocar o dedo mesmo.

LF: Tem problema não. Eu faço um relatório para o Juiz e explico que o senhor não assinou porque é analfabeto.

SRB: Ainda bem. Pensei que fosse me projudicar em alguma coisa.

LF: De jeito nenhum. Então... até próxima semana, e boa sorte no seu processo.

SRB: Vá com Deus, meu filho. E não esqueça: fé na Justiça.

(...)

Era meu Pai

LF: Bom dia. O senhor José Carlos Santos, por favor, está?

PAS: Bom dia. Quem gostaria?

LF: Humberto, da Justiça do Trabalho. Tenho uma novidade para ele. Qual o nome do senhor?

PAS: Pedro Alberto Silva. E qual a novidade?

LF: A empresa Alfa (nome fictício) quer fazer um acordo com o Sr. José e pediu uma audiência de conciliação. Depois de dez anos finalmente ele vai receber o dinheiro dele.

PAS: Só tem um problema.

LF: Qual?

PAS: Essa pessoa que o senhor está procurando é meu pai e faz dois anos que ele morreu.

LF: (Sem palavras)

“Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade.” – Rui Barbosa

4 comentários:

Lauro Ericksen disse...

Só fico imaginando como esse omi achou esse sítio em Arez...

Marina Gadelha disse...

Isso aí é apenas um pouco das várias histórias com as quais você lida todos os dias, hein? Belo trabalho, Humberto. =)

Victor Rafael Fernandes Alves disse...

...

O que comentar diante de uma situação dessas? Só as reflexões das reticências...

Cecília Cortez disse...

Impressionam as histórias que descobrimos trabalhando com as famílias deste Brasil... Parabéns pelo trabalho e, principalmente, pela sensibilidade.