sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Os normais

Hoje estava revendo meus arquivos e tive boas lembranças. Tudo que você gosta de fazer hoje talvez tenha descoberto por uma circunstância acidental. Como é público sou admirador das palavras e o primeiro texto que escrevi foi no ano de 2005, chamado de "Os normais". O escrito tomou proporções inesperadas já que foi publicado num jornal de grande circulação aqui no estado e reverberou no periódico por três dias consecutivos, bem como chegou em terras portuguesas e canadenses.

Em homenagem ao sumido companheiro Rafhael Levino e à época em que tudo me indignava:

Os normais

Quarta-feira, 05 de janeiro de 2005. Como aluno do curso de Direito da UFRN, por ironia do destino ou não (e os senhores irão entender o motivo), passei a manhã assistindo aulas de Direito Penal, até que, por volta das 11:30h, juntamente com um colega, dirigi-me ao Natal Shopping com a intenção de olhar um aparelho celular. Para mim, era mais um dia como outro qualquer, não via nada fora da normalidade-guardem esta palavra. Estávamos nós sentados, comentando sobre o verão escaldante de nossa cidade, quando vimos uma cena intrigante capaz de macular a imagem do Natal-RN. Tratava-se de um grupo de quatro jovens “gringos” (estilo escandinavos) na companhia de uma jovem e uma adolescente brasileira, aparentando esta última no máximo 13 anos. Até aí tudo bem. O grupo dirigiu-se até o McDonalds, enquanto observávamos atentamente cada movimento.

Parecia um quadro, em tempo real, retratante da situação do Rio Grande do Norte frente ao abuso infantil. Fiquei pasmo. Enquanto esperavam suas refeições, um dos rapazes agarrou a rapariga (escolha cada um a melhor semântica) e a beijou ostensivamente, como se estivesse atacando carne fresca. Ressalte-se aqui os trajes utilizados pela garota, que possuíam no máximo 40 cm, e refletiam sua preparação para o abate. Aquela cena nos indignou, como se o sentimento de justiça de três anos de curso universitário acabasse de brotar com todo furor. Percebíamos no olhar das pessoas, muito bem acomodadas na praça de alimentação, a mesma revolta, mas ao mesmo tempo, todos tentavam ignorar a cena. Cerca de dois meses atrás, tínhamos participado de um Encontro Estadual de Juízes e Promotores, o qual versava unicamente sobre o Direito da Criança e do Adolescente. Naquela ocasião fomos desafiados a trabalhar para reverter o quadro de exploração sexual no nosso Estado. Estávamos diante da situação propícia para fazermos uma denúncia.

Não bastasse o beijo libidinoso, sem nenhum escrúpulo, a adolescente começou a fumar e compartilhou do cigarro com um dos turistas, que por sua vez não entendia uma só palavra da garota, tentando realizar a comunicação através de gestos. Essa foi a gota d’água. Ligamos primeiramente para a Polícia Militar e esta nos encaminhou para um outro setor de prefixo 0800, totalmente desprovido de atendentes, o qual resumia-se em emitir uma mensagem gravada contendo direitos fundamentais elencados no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Posteriormente, discamos para o COMDICA (Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente do Natal) e fomos atendidos de maneira solícita, porém ineficaz por um de seus funcionários. Daí, fomos encaminhados para o SOS CRIANÇA e recebemos a notícia que nada poderia ser feito, pois aquela era apenas uma situação de risco, só podendo haver uma medida mais “dura” caso houvesse flagrante delito no crime de exploração sexual. Passamos em média 30 minutos discando de um número para outro, sendo remetidos a delegacias fantasmas e programas de combate inacessíveis.

Enquanto procurávamos a autoridade competente para a denúncia, confirmamos de fato ser uma (pré) adolescente, pois esta divertia-se no centro de jogos eletrônicos do Natal Shopping, com seus bilhetes pagos pelos rapazes, demonstrando um comportamento pueril e concomitantemente histérico, enquanto os rapazotes as observavam com olhos dominados pela luxúria. Em determinado momento, uma reação de impaciência tomou conta de um dos moços, pois percebeu nossa apreensão. Dentro de instantes, foram todos até uma farmácia (detalhe: nenhum deles parecia doente) e compraram algo e saíram em direção à saída do shopping.

Todas as tentativas de denúncia foram frustradas. Em uma das ligações alguém nos disse: “isso é normal”. Normal? Será que é mesmo? Se as autoridades acharem tal situação normal, vejo uma clara desfocalização do ideal de justiça, um desinteresse do aparato estatal em combater a criminalidade, defendendo um bem jurídico tão precioso como nossas crianças e adolescentes. Quando recebi tal resposta em face de um apelo de alguém querendo contribuir com a diminuição de índices tão elevados na prostituição infantil, tive a sensação de remar contra a maré, de enfrentar o leviatã do comodismo, da vista grossa, da teoria jurídica. Perdoem-me os jurisconsultos, mas talvez aquela situação, em termos práticos, tenha me ensinado muito mais que as três horas de aula sobre Direito Penal. A todo direito cabe uma obrigação correspondente e, para assegurar o meu direito a viver em uma cidade com menos problemas sociais, tinha a obrigação de comunicar o fato à autoridade competente.

Além de funcionar como uma ameaça para as crianças e adolescentes, o sexo-turismo, ao lado da violência, é fator desfavorável para a economia norte-riograndense, pois afugenta os turistas de boa índole, gerando um efeito cascata de extinção de empregos, investimentos e renda. Para sanar tal mazela, é urgente uma reformulação das regras de entrada de estrangeiros no Brasil cominada com políticas de inclusão social sérias e de desmantelamento de redes de prostituição. Caso contrário o sodomismo funcionará como uma onda devastadora de valores (sociais e econômicos) e atrairá, cada vez mais para o Rio Grande do Norte, o que há de mais pútrido em termos de exploração sexual.

Não quero acreditar, mas parece até que alguém ganha algo com a manutenção de fatos desta natureza. Na verdade, desta só foi um caso, e absolutamente não foi o primeiro nem o último, e como muitos outros, não haviam provas incriminadoras de um flagrante delito, mas todos os indícios estavam ali, crus e desnudos diante dos nossos olhos e com um pouco mais de trabalho de investigação, certamente, seriam duas vítimas a menos de um sistema de prostituição infantil reinante em nossa cidade. Contudo, além de contar com um aparato capenga, não é de característica do brasileiro médio cortar o mal pela raiz, princípio refletido nas autoridades, as quais por sua vez preferem a consumação do crime, para tomarem alguma providência, ao sistema preventivo. Somente nos resta duas opções: ou somos anormais ou o conceito de normalidade está mais turvo do que nunca.

LUCENA FILHO

7 comentários:

Anônimo disse...

Está pra lá de turvo!!! Esse seu texto me incomodou bastante, pq o que nossos "professores" ensinam durante toda a vida é uma sensibilização para produzir mudanças, e o que encontramos são situações como essa em que as pessoas fingem não ver... e o q agente faz?!! Junta aos q fazem vista grossa ou faz a diferença mesmo sem o apoio de tais forças?!!! Eu ainda prefiro a segunda alternativa, e tento me juntar com aqueles q pensam do mesmo jeito... mas pra tudo tem uma solução na vida, até pra morte tem!!! =/

Anônimo disse...

Esse texto foi publicado em jornal de grande circulação?
Permita-me fazer uma crítica(construtiva), achei o texto bom, mas precisa dar uma enxugada. Ele está muito longo, e cansativo. Mas, muito bom! Recomendo uma releitura, e uma enxugada e ele ficará ótimo. E quanto a publicação, não querendo desmerecer, mas sabe como é, as vezes vezes nos jornais cada coisa piegas, o que naturalmente não é o seu caso.

Anônimo disse...

Anônimo (a),

Mais uma vez você se refugia na suas sombras virtuais. Não entendo a razão de omitir sua identidade. Seria um refúgio para dificuldade de ser rebatida? Não sei... Não estou aqui para causar animosidades. Passei dessa fase.

Quanto ao texto, explico. Na época em que foi publicado (janeiro de 2005), saiu na página policial. Tomei metade de uma página por conta desse texto. Como falei anteriormente, foi minha primeira produção e, portanto, tem muito mais defeitos do que as outras. Na verdade, não foi uma artigo, crônica ou algo do tipo, mas um relato minucioso de uma situação vivida. Eu não estava preocupado em me adequar à diagramação ou entreter o leitor, mas somente em relatar uma indignação.

De qualque forma, sua crítica é válida, mas o anonimato tira a credibilidade, se é que me entende.

Volte sempre...

Aline Silveira disse...

Diante dessa normalidade,
sou e sempre quero ser
" anormal " !
Bom texto(como sempre),
boas atitudes e infelizmente mau desfecho desse caso, vale ressaltar que não por culpa de vocês que tentaram,(e como tentaram e o texto mostra isso claramente),mas de quem realmente deveria solucionar o problema!

Anônimo disse...

infelizmente uma...


Anormalide normal!


E essa frase cabe tanto ao episodio descrito quanto as tentativas falhas de buscar auxilio na justica.

antonio medeiros disse...

Companheiro,
Acho q vc n entendeu meu propósito. Não quiz ofendê-lo, apenas fazer uma crítica e como já havia dito (construtiva). Desculpe, não fui bem interpretado por sua pessoa. Descobri seu blog por acaso, e achei coisas bem interessantes como o Getsêmani. De lá pra cá, vejo seu blog todos os dias. E dei minha opinião, apenas pq achei que seria bem vindo a opinião e de certa forma poderíamos trocar informações, tendo em vista que gosto de crônicas também.
Mas, fique tranquilo, seu texto não é ruim apenas não é perfeito, e como eu disse e repito, a imprensa nem sempre publica o que bom, o que necessariamente não foi o seu caso. Repito o texto é longo e se fosse mais enxuto ficaria perfeito, seu tom de escrita é muito bom.
Concluo, me desculpando, por ter entrado no seu universo virtual e tê-lo perturbado.

Anônimo disse...

Antônio, meu caro.

Não há do que se desculpar. Você pode criticar e falar a vontade, desde que se identifique. O anonimato é muito perigoso. Perdão por qualquer mal-entendido e volte sempre. Sinta-se em casa, mas diga que é você o comentarista pra eu saber de quem se trata, companheiro.

Um abraço

LUCENA FILHO, H. L. de.