segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Memórias

Hoje despertei com a sensação que inquieta os apaixonados, os poetas e que nenhum ser vivo conseguiu defini-la: a saudade. Geralmente as pessoas encarregam-se de arrebatar a maior parte das nossas ausências sentimentais. E com razão, se partirmos do pressuposto que as companhias são quem determinam as impressões mais íntimas e profundas a respeito de determinado lugar ou época.

Porém, para variar, experimentei uma sensação distinta, mas não menos nobre. Tive saudades da minha terra natal, do solo que me pariu, dos primeiros ares que respirei e que, em mim, imprimiram a marca de legitimidade local. É de lá que vim e sempre me reportarei como torrão inicial, o qual nunca apagarei das áreas mais especiais e aconchegantes da mente.

Talvez pelo fato de estar longe daqueles a quem se ama, da distância do seu lugar original, ou mesmo pela inexistência de rotina familiar, reflexões e sentimentos além dos convencionais são despertados. Tudo toma um valor diferenciado do que se tinha antes. Os detalhes mais simples, os locais longínquos, os amores vividos e “esquecidos”, as maneiras peculiares de se expressar e a realidade de se sentir parte integrante e autêntica de uma comunidade passam de simples hábitos diários a uma lembrança nostálgica e sem data para se tornar concreta novamente.

Tudo parece claro e nítido quando se trata de lembranças das origens. Ainda me recordo com perfeição das manhãs frias e nebulosas da Rainha da Borborema, bem como das pessoas com olhares sofridos, inquietos e que se abarrotavam no ônibus lotado das seis e vinte da manhã. As imagens das subidas na ladeira da Rua José Augusto Trindade, do Monte Santo, são mais reais do que os pensamentos que fluem e jorram de mim nesse exato momento. Lá estava eu, com uma mochila maior que minhas costas e cujo um dos brindes foi uma leve e incômoda escoliose. Mas isso não parecia um grande esforço diante dos projetos que se avolumavam naquele coração com onze anos de pulsação.

Dentro da mochila existiam livros, cadernos, canetas e muitos, muitos sonhos. E foi naquela terra dos Ariús, de clima ameno e uma população carinhosa e hospitaleira que muitos dos primeiros anseios, fantasiosos ou não, se realizaram. Nos limites dos rincões campinenses os livros e cadernos transformaram-se em prêmios, lições de vida, prazeres, conhecimento e algumas pitadas de liberdade. Também foi lá que descobri a capacidade própria de pensar e formular idéias originais e até hoje sou conduzido por tal valiosa e única descoberta.

Tenho uma dívida impagável para com as ruas daquela urbe, em espeicla pelo sucedido no dia em que, do alto do medo mixado com adrenalina dos meus dozes anos, respondi ao jovem delinqüente da impossibilidade dele levar meu relógio, pois só possuía aquele. Senti-me como o apóstolo Pedro quando respondeu ao paralítico na porta do Templo: “não tenho ouro nem prata, mas o que eu tenho, isto te dou. Levanta-te e anda”. Obviamente, minha resposta não foi tão ousada e crente como a do discípulo pescador, mas era como se ao olhar para aquele jovem, conseguisse transmitir-lhe que meus sonhos, ainda noviços, e capacidade de compartilhar-los pudessem ajudá-lo mais do que o resultado do roubo. E desde então, quando alguém se sente vazio e desapontado e me pede auxílio tento inculcar sonhos na mente e no coração do ajudado.

Hoje, de certo modo, cambiei em certos aspectos, até mesmo pela dinâmica psicoevolutiva que a vida e seus padrões impõem. Conquanto, tudo que experimentei, vivi e sofri no solo de onde vi foi um suporte memorável para sustentar as mudanças que se sucederam e orientar-me a chegar onde estou. Certamente, num futuro ainda indeterminado, falarei o mesmo de onde estou hoje, haja vista as memórias serem as fotografias da história, capazes de nos fazerem agir de acordo com o que realmente somos e não movidos por impulsos perigosamente momentâneos.

O lugar de onde vim me proporcionou boas oportunidades de registrar fatos importantes e formadores da personalidade. De lá sinto falta. Aproveitemos onde estamos e tiremos boas fotos. Um dia elas serão lembranças. Nossa futura memória agradece.

LUCENA FILHO

7 comentários:

Anônimo disse...

Meu amigo, suas palavras exprimem tamanha carga de sentimentos nostálgicos, afetuosos e sensação de aconchego que ao ler as linhas de seus pequeno desabafo me vi lembrando de minhas próprias fotografias que fazem parte de minha memória!
Parabéns pelo nível culto a qual dedica aos seus textos e pela delicadeza que utiliza ao tratar da mente humana!

Muito bom ler suas lembraças!

Humberto Lucena disse...

Olá Ana,

Em primeiro lugar, seja bem-vinda. É sempre bom saber que alguém lê isso aqui...rss
Obrigado pela visita, volte sempre e espero que tenhaS boas memórias...

Unknown disse...

Parabéns Colega pelo blog.. e com um baita curriculum desse, além de ser muiiiito jovem.
abços
Geraldo (PR)

Unknown disse...

gercamp@uol.com.br, para os demais colegas Oficiais Federais desse Brasil afora que quiserem fazer um workshop entre as diferentes TRF, TRT e respectivas Seções Judiciárias..
Geraldo - de Cascavel (Paraná)

Humberto Lucena disse...

Olá Geraldo, muito obrigado pela sua visita. Volte sempre que quiser. Estou sempre colocando algo diferente. Abração

Anônimo disse...

"Tudo toma um valor diferenciado do que se tinha antes. Os detalhes mais simples, os locais longínquos, os amores vividos e “esquecidos”, as maneiras peculiares de se expressar e a realidade de se sentir parte integrante e autêntica de uma comunidade passam de simples hábitos diários a uma lembrança nostálgica e sem data para se tornar concreta novamente."

Anônimo disse...

"Dentro da mochila existiam livros, cadernos, canetas e muitos, muitos sonhos."

["Memórias" será sempre inesquecível pra mim. Das suas palavras, as que mais amo estão aqui.]

Saudade!